Alguns Portugas da nossa praça adoram andar com um palito na boca.
Não sei se lhes dá charme ou se ficam mais machos, aquela lasca de madeira entre os dentes sempre incertos e podres, fá-los sentir com pinta de gigolô, será?
Todos eles têm pinta de taberneiros e desde já, não querendo ofender os senhores proprietários das melhores tabernas deste país.
Este utensílio deve-lhes dar muito jeito. Palitam os dentes, tiram alguns nacos de cera dos ouvidos, alguma terra dos cascos que não são cortados há mais de duas semanas.
As várias funções parecem os canivetes suíços, dois em um.
Quando estão a almoçar têm que guardar religiosamente o palito, não vá haver falta dos palitos no restaurante.
A seguir à refeição e já a tomar o cafezinho com o respectivo bagaço, tiram o seu utensílio mais útil, não, não é o Zézinho porque esse já não serve para nada, sem ser para deitar algumas pingas para a sanita. Mas sim, o seu palito de estimação, a lasca de madeira bem redondinha, tipo eucalipto.
Começam numa técnica de limpeza parecendo um dentista bem profissional com o seu bisturi.
Limpam os seus dentes cuidadosamente que qualquer pastilha de limpeza o não faria tão bem ou mesmo uma escova de dentes eléctrica.
Depois as técnicas de falar ou até espirrar sem o deixar cair, são técnicas que se vão aperfeiçoando com os anos.
No dia que tomam banho e põem uma roupinha lavada, pedem à patroa lá de casa um palito novo.
Sim, porque sair de casa sem um palito na boca é como sair nu ou mesmo descalço e não pode ser, até o subconsciente pedia perdão!
No meio da rua, quando falam com alguém, pegam no palito cheio de baba e gesticulam como se fossem maestros com a sua batuta e comandando a conversa como uma melodia de Mozart ou Beethoven.
Assim são os pintas de Portugal.
“O teu mistério decifrei-o numa pupila cega, fechada e aberta, como um seio que pela noite se entrega.”
(David Mourão Ferreira)
Assim que entramos lá, estamos num mundo diferente, que nos choca os sentimentos mais profundos.
À entrada muitos jovens estão em cadeiras de rodas à espera dos seus transportes.
Choca-nos ver pessoas tão novas, muitas delas entre os 12 e os 17 anos nesta situação.
A maior parte deles, então nesta situação devido a acidentes de viação principalmente de mota.
É de lamentar que os jovens de hoje por vezes não vejam os perigos que os espreitam.
Chegamos à recepção e lá está a Maria João, vê-se que é uma rapariga muito humana.
Já viu ali muita gente com problemas para o resto das suas vidas. Mas essas mesmas pessoas com a força, a coragem, o esforço que têm, vão conseguindo fazer as suas vidas na medida das suas possibilidades.
Todos os técnicos que lá trabalham, desde médicos, terapeutas, auxiliares e enfermeiros têm uma humilde satisfação em dar-nos um apoio de louvar, aquele apoio que não encontramos noutro sítio: o apoio para quando estamos quase a desistir. Eles elevam-nos a alma, a força e a coragem para lutarmos por aqueles que estão piores que nós.
Alguns são Tretaplégicos, Trissomia 21, Paralisia Celebral, crianças com problemas motores, enfim, pessoas que lutam para viverem.
A terapeuta Estrela que já está reformada foi das pessoas mais excepcionais que conheci neste Centro de Alcoitão.
A disciplina e a coragem que impunha nas crianças era impressionante, vi isso com os meus próprios olhos, muitas vezes. As crianças passado um ou dois meses de estarem com ela melhoravam significativamente.
A postura e a alegria delas era muito maior porque já conseguiram, simplesmente dar uns passos ou segurar um cubinho de Lego, é uma vitória, uma alegria ver a felicidade de uma criança a conseguir vencer mais uma dificuldade, que por vezes é tão simples para nós. Esta terapeuta conseguiu que a minha filha conseguisse vencer muitas dessas dificuldades e por isso lhe estou grato para o resto dos meus dias.
A terapeuta Helena, que trabalhou com a minha filha durante 3 anos é também uma pessoa a quem devo muito. Nunca conseguirei pagar à sociedade e ao que eu chamo o próximo o que fizeram pela minha filha. Hoje a minha princesa tem 9 anos e faz uma vida normal, como os outros meninos, todas as barreiras e dificuldades que apanha no dia-a-dia consegue ultrapassá-las porque foi ensinada a isso com muito esforço e coragem e com o empenho destas duas terapeutas excepcionais.
Ainda hoje a minha princesa vai a consultas com a Dr.ª Helena que nos dá pistas e conselhos a ter com ela.
Dá-lhe directrizes muito definidas que a Princesa tem que seguir, não só para o desenvolvimento dela mas para conseguir vencer esta sociedade.
É assim que esta Princesa linda que eu tenho, vence a ligeira Paralisia Cerebral que teve à nascença, lutando assim, tal como os pais, para ter uma vida como os outros meninos.
Ass: Felino
Aqui vos deixo uma carta da Gata Sardenta para mim.
“Meu Amor,
Escrevo estas notas a Verde, pois verde é esperança e nesta folha humilde que encontrei no meu amontoado de papeis. Estou caminhando para casa, para junto de ti, mas esta viagem que precursor todos os dias para me aconchegar nos teus braços parece-me uma eternidade. Olho pela janela do comboio, vejo paisagens verdejantes, riachos que correm, animais que saltam pelos prados, cavalos que disputam uma breve corrida... e estas saudades que trago no meu peito ainda aumentam mais. Há inquietude, uma ânsia em mim, um impulso que me faz ficar nervosa até chegar junto a ti. Não sei o que nos anda a acontecer, vejo-me a reviver os primeiros anos do nosso amor, da nossa paixão proibida. Vivíamos entre o limiar da paixão e da razão, onde o desejo imperava e acabava sempre por triunfar. Mas este momento faz-me recordar o Eterno Retorno, tudo volta ao inicio, ao principio mas para mim ainda melhor e com mais profundeza do que no passado. Crescemos e amadurecemos juntos, lutámos e chorámos unidos. Isso fez que o sentimento que cada um trazia se tornasse mas forte. Agora esse amor, essa paixão que transportava-mos com cuidado, como uma mãe que dá colo ao seu filho recém nascido, ultrapassou cada um dos nossos seres, não conseguimos aguentar este fogo, esta pulsão que nos impele e que faz soltar todas as amarras da realidade. Sentimos a emergência do amor, sentimos uma vontade louca de nos unimos, de buscar até ao infinito o prazer e a dor. Queremos estar para além dos movimentos dos corpos, da união do sexo, a força que nos interpela leva-nos a soltar a animalidade que existe a cada um de nós, em que tudo é permitido e nada é proibido. São os gritos, os gemidos, o suor, a dor de prazer que nos levam à comunhão com a Vida e com a Morte. É nesta fronteira que choramos de prazer, de dor e de felicidade. É nesta fronteira que sorris, me dás um beijo e me abraças! E ficamos assim, quietos a ouvir o silêncio.”
Ass: Gata Sardenta
O meu outro espaço